top of page

Antes tarde do que nunca... não!



Todo mundo tem (ou teve) uma mãe ou avó que dizia “se começar errado, vai ter que fazer duas vezes”. Mal sabia eu que muitos anos depois, já durante a minha vida profissional esta seria uma das minhas frases mais utilizadas.


É muito comum compradores receberem alguns processos já iniciados para “consertar” e ai é que o problema começa.


Recentemente recebi um processo cuja “única” parte faltante era o contrato (!!!). Pessoas com outras funções no negócio entraram em contato com o fornecedor, solicitaram cotações e aprovaram a compra, mas como não tinham experiência com os termos do contrato de fornecimento, decidiram que neste momento seria importante ter um comprador se envolvendo no processo.


Este efeito é o chamado “envolvimento tardio” e traz consigo diversas consequências indesejáveis.


O envolvimento tardio do comprador pode ser analisado sob a ótica social e extrapolado posteriormente para as organizações. Desde criança, somos ensinados a guardar dinheiro para comprar um doce ou um brinquedo (quem nunca teve o famoso “cofrinho”?). Um pouco mais velhos, próximos dos 8 anos, aprendemos quanto custa aquele brinquedo e começamos a ter idéia das bases de negociação (“se eu mantiver o meu quarto arrumado, meu pai vai me dar uma moeda e eu vou juntar dinheiro mais rápido”). Talvez você nunca tenha pensado, mas você começou a negociar ainda bebê, quando chorava e parava de chorar quando era alimentado. E daí por diante, toda a nossa infância, adolescência e toda a nossa vida é baseada em negociações: Qual será o seu salário? Quanto de trabalho você consegue absorver com a sua equipe atual? Até qual horário o seu filho vai poder ficar na festa? Você está disposto a viajar de carro no final do ano, para poder se hospedar em um hotel melhor ao invés de viajar de avião?


Diante de tantas negociações às quais somos submetidos diariamente, o ato de efetivamente comprar se torna aparentemente fácil. Trata-se apenas de entrar em uma loja, buscar o item que mais agradar, perguntar o preço, oferecer uma contra-proposta ou pedir um desconto, chegar a um acordo sobre o preço, entregar o dinheiro e levar a mercadoria. Realmente, qualquer pessoa pode fazer isso, e não são necessários conhecimentos específicos. Será mesmo?


Pois bem, então vamos transformar o processo de compra citado acima no seguinte processo: Prospecção de fornecedores, análise de especificações, processos de RFx (solicitação de informação, proposta e cotação), equalização de propostas, matriz de decisão, Cost Breakdown, auditoria de fornecedores, definição de termos contratuais (incluindo pênaltis, frete, mecanismo de preço, etc) até finalmente culminar na entrega de determinado produto ou serviço, sendo seguido pelo constante controle e monitoramento de performance. E agora? Será que você está convencido da necessidade de um comprador?


O ser humano possui uma tendência natural a personificar as relações profissionais. Quantas vezes dizemos “a Flavia da empresa X” (ou dentro da empresa “a Flavia de Compras”)? Isto será assunto para um próximo texto. Fato é, que o fornecedor tende a relacionar a empresa com a pessoa e é de extrema importância que esta “pessoa” seja o comprador.


Por definição, o comprador é o gerente da relação entre a empresa e o fornecedor e qualquer alteração nesta relação, pode trazer prejuízos para a empresa.


Voltemos ao exemplo citado no início do texto, sobre o processo que eu recebi para “consertar” e tornar compliance. Entrei em contato com o fornecedor e expliquei que daquele momento em diante, eu seria a responsável pelo gerenciamento de sua relação com a empresa para a qual trabalho. Fiz questão de explicar também que aquele processo havia começado de uma maneira diferente por alguns motivos e que eu precisaria da ajuda dele para aparar as arestas e ter o processo justificado em caso de uma auditoria. Conforme esperado, o possível fornecedor foi super solícito e atendeu prontamente às minhas necessidades: visitas, informações, documentos, relatórios, etc. Quando chegamos finalmente ao momento da negociação do contrato, ao solicitar a abertura de custos e ser enfática com o fornecedor sobre esta necessidade, ele imediatamente entrou em contato com “a pessoa” dele na minha empresa (que não era eu). Lembram-se que eu comentei sobre a personificação da empresa anteriormente? Geralmente, os fornecedores tendem a eleger a primeira pessoa que o acessa ou seja, a pessoa que leva o fornecedor para dentro da empresa como “a pessoa da empresa”. E assim aconteceu. Esta pessoa de outra área, passou a ser o foco do fornecedor para escalar os assuntos com os quais ele não concordava. Qualquer que fosse a solicitação, o fornecedor conversava comigo por telefone ou pessoalmente, e imediatamente acessava quem ele considerava “a sua pessoa” da empresa para confirmar as informações. Para tornar tudo mais desafiador, esta outra pessoa da minha empresa que estava diretamente em contato com o fornecedor, possuía um cargo hierarquicamente superior ao meu, o que contribuiu para reforçar a visão de “autoridade”.


Depois de muito alinhamento e de um trabalho árduo, que incluiu o meu colega da empresa não mais atender as ligações e solicitações do fornecedor, além de direcioná-lo para mim em todas suas tentativas de contato, o fornecedor finalmente parece ter entendido que eu sou a gestora do relacionamento entre ele e a minha empresa. O processo está regularizado e estamos na fase final de negociação contratual.


De maneira geral, não ter o comprador como ponto de contato com a empresa, faz com que as etapas do processo de compras sejam mais morosas e complexas. Ao solicitar uma redução de custo por exemplo, o fornecedor automaticamente pensa “o comprador está me pedindo para reduzir 5%, será que se eu falar com a pessoa de Marketing, que foi muito mais legal comigo no início, ela não aceita só 3% de redução?” e aplique-se a isso todas as outras solicitações: “será que o cliente precisa mesmo deste documento, ou é so uma solicitação do comprador? Acho que vou tentar falar com o Engenheiro, para ver se ele me deixa seguir e entregar depois este documento”. E até mesmo ao tentar corrigir o processo, corre-se o risco de se passar uma imagem de desorganização para o fornecedor: “mas eu sempre falei com o Engenheiro, agora o comprador começou a falar comigo e está fazendo tudo diferente do Engenheiro. Quem será que está certo?”.


É possível afirmar que processos cujo envolvimento do comprador se dá nos estágios iniciais possuem muito mais chances de sucesso (seja qual for o indicador), além de serem processos mais ágeis e mais tranquilos. São geralmente os processos nos quais o tão desejado “ganha-ganha” é atingido mais facilmente. Algumas literaturas mencionam que a duração dos processos que começam sem o envolvimento do profissional de Compras chega a ser até 3 vezes maior do que os processos que começam de forma correta, ou seja, neste caso, a máxima “antes tarde do que nunca” não se aplica e sim o conselho da vovó “se começar errado, vai ter que fazer duas vezes”.


Se você não for um profissional de compras e precisar efetuar um processo de aquisição, entenda que o comprador não está sendo “chato” tentando participar de tudo desde o início, tão pouco que ele quer “parecer importante” quando pede para ser envolvido nos estágios iniciais. O Comprador está tentando facilitar a sua vida e a dele mesmo, agilizando o caminho e moldando o comportamento do possível fornecedor, para que as respostas e os resultados esperados sejam obtidos mais facilmente.


Escrito por Flávia Paiva

Comentários


bottom of page