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Afinal... quem é o futuro consumidor de energia?



No artigo anterior, publicado nesse espaço, comentamos sobre a abertura integral do mercado de eletricidade, ou seja, permitir que as indústrias e comércios de pequeno porte, bem como os consumidores residenciais, possam substituir o seu fornecedor de eletricidade. Naquele artigo expusemos algumas das medidas que deverão ser debatidas, avaliadas e implantadas para conduzir uma transição entre o modelo atual vigente e a abertura integral do mercado de energia. Provavelmente muitos leitores se perguntaram se de fato os consumidores residenciais estariam predispostos a exercerem escolhas e trocarem seus fornecedores de energia. Neste artigo, apresentamos o elevado potencial do mercado brasileiro que isso aconteça.


Pesquisas conduzidas pelo OFGEM (agência reguladora de eletricidade na Grã-Bretanha) no campo da ciência comportamental (behavioral economics) concluíram que as empresas se comunicavam de forma muito complexa com os consumidores. Além disso, a maioria dos usuários não tinha tempo para avaliar as alternativas favoráveis, e os poucos que avaliavam escolhiam a primeira opção (não se dedicavam a explorar outras opções que poderiam lhe ser mais favoráveis). As conclusões da referida pesquisa sinalizaram a existência de barreiras ao engajamento dos pequenos consumidores tais como questões culturais, nível de escolaridade, e conceitos e termos utilizados pelos profissionais do mercado de energia.


Justamente por esses motivos é que na Grã-Bretanha no ano de 2011, mesmo após quase 10 anos de abertura de mercado naquele país, somente 20% dos consumidores residenciais haviam trocado de fornecedores de eletricidade. A partir de 2017, após o início da execução de campanhas de comunicação denominadas de nudge (empurrãozinho), por meio de breves mensagens por celular ou e-mail, perguntando se o consumidor havia feito comparações de fornecedores ou se informado sobre o quanto de economia poderia ter tido no ano anterior, o nível de engajamento do consumidor britânico subiu para 33% no ano de 2019.


Naturalmente, face ao baixo engajamento inicial do consumidor residencial britânico ao mercado de energia, é normal surgirem dúvidas com relação à predisposição do consumidor residencial brasileiro em realizar comparação de ofertas dos fornecedores de eletricidade, exercer suas escolhas e, por meio dessas escolhas, obter redução de seus custos com energia elétrica. No entanto, existe um fato ignorado até então pelos pessimistas com relação ao potencial do mercado dos consumidores de menor porte no Brasil: o surgimento de aplicativos de smartphone que forneçam ferramentas de comparação e facilitem a substituição do fornecedor de eletricidade. E qual seria o potencial do mercado brasileiro utilizar o smartphone para exercer essas escolhas?


Segundo dados do IBGE, 67% da população brasileira possuem smartphone. E dessa parcela da população, cerca de 78% acessa a internet por meio de smartphone. Em outras palavras, cerca de 52% da população tem o hábito de acessar a internet por meio do smartphone. Se considerarmos como base somente a Classe C (renda familiar entre R$ 1.126 R$ 4.854), que são cerca de 115 milhões de pessoas, na ordem de 60 milhões de pessoas acessam a internet por meio do celular. Se considerarmos que somente 1/3 dessas pessoas sejam as responsáveis pela decisão em suas respectivas residências e o porcentual de 32% da taxa de usuários de smartphones no Brasil que possuem o hábito de utilizarem aplicativos, o mercado base potencial de usuários em aplicativos para comparação de ofertas de fornecedores de energia seria de cerca de 6 milhões de consumidores residenciais pertencentes à Classe C.


A próxima pergunta que poderíamos fazer é: os 6 milhões de consumidores com predisposição a utilizar aplicativos de celular no Brasil para substituir seu fornecedor de eletricidade constituiria um mercado suficiente atrativo para a entrada de players de energia nesse segmento?


Para responder essa pergunta, faremos uma comparação com o mercado australiano, que promoveu uma profunda revitalização do seu mercado varejista de energia que foi batizada com o nome de Power of Choice, cujo objetivo central foi aumentar a agilidade e a transparência das informações fornecidas aos consumidores para facilitar a comparação de ofertas dos fornecedores de eletricidade, e por conseguinte criar condições para que o consumidor exerça suas escolhas e, por meio dessas escolhas, obter redução de seus custos com energia elétrica.


O mercado de energia australiano oferece diversas ferramentas para os consumidores residenciais australianos fazerem comparação de fornecedores de energia. Uma dessas ferramentas é disponibilizada pelo site do governo estadual de Victoria (https://compare.energy.vic.gov.au/), em que é possível simular as despesas com gás e energia elétrica de forma simultânea considerando os comercializadores varejistas que atuam na região, com base na informação de código postal colocada pelo consumidor na simulação. Além disso, são realizadas campanhas de descontos especiais para os consumidores que nunca realizaram troca de fornecedor de energia elétrica ou gás.


Várias instituições do mercado australiano acompanham o desempenho do mercado varejista, ou seja, monitoram a concentração de agentes vendedores no mercado varejista, os preços e as margens praticadas, os índices de troca de fornecedor e a redução média do custo final de energia para os consumidores que exerceram a escolha de substituição de fornecedores. O gráfico abaixo foi exposto no relatório de 2020 da AER( Australian Energy Regulation). Repare que na vasta maioria dos estados australianos, os consumidores no mercado varejista tiveram redução dos custos finais de energia.



Além das ferramentas de comparação disponibilizadas na internet pelos governos, tal como a oferecida pelo estado de Victoria, os cinco maiores varejistas australianos oferecem aplicativos de smartphone aos seus clientes para auxiliarem a simulação de planos de contratação de energia. A figura abaixo ilustra da esquerda para a direita, respectivamente, os aplicativos disponibilizados pela Origin Energy, AGL Energy, Energy Australia, Powershop e Simply Energy.



A taxa de profusão de aplicativos de comparação de planos de fornecimento de energia para consumidores no varejo utilizados na Austrália poderia se repetir no Brasil? Atualmente não são disponibilizadas publicamente as estatísticas de usuários daqueles aplicativos pelos comercializadores de energia australianos, mas podemos fazer algumas comparações para identificar o potencial do mercado base no Brasil.


Na tabela abaixo apresentamos alguns dados e estimativas. Conforme comentado anteriormente, para vencer os vieses cognitivos e reduzir as barreiras, o aplicativo de smartphone deve ser desenhado para ser compreendido facilmente pela maioria do espectro social brasileiro. Se assumirmos uma premissa conservadora de foco na Classe C brasileira, a base global de unidades consumidoras propensa a utilizar um aplicativo voltado para comparação de ofertas de planos de fornecimento de energia seria na ordem de 6 milhões de unidades consumidoras, o triplo da Austrália quando aplicamos as mesmas premissas. Adicionalmente, quando comparamos a relação entre tarifa média e renda per capita, a população brasileira "sofre" 20 vezes mais para pagar a conta de luz que um consumidor australiano.



Conforme comentado anteriormente, a barreira do nível escolaridade média é um ponto de atenção, mas não se deve assumir a premissa que os consumidores de energia elétrica seriam hipossuficientes e não exerceriam escolhas para reduzirem as suas despesas com a conta de luz se fossem oferecidas oportunidades para isso. O histórico visto no setor de telefonia brasileiro é um exemplo quando foram constatados casos de portabilidades mesmo em um ambiente de acessibilidade de informação menor.


Adicionalmente, existem novas tecnologias promissoras que poderão potencializar o desenvolvimento de uma nova geração de aplicativos de smartphones que aumentem o engajamento dos consumidores de eletricidade de menor porte: a tecnologia PIX e o QR Code. O PIX permite que os depósitos ocorram instantaneamente, inclusive, fora do horário bancário e nos fins de semana. O QR Code é uma evolução do código de barras, sob um gráfico 2D que pode ser lido pelas câmeras da maioria dos celulares e que em breve estará presente nas faturas de energia elétrica de todas as distribuidoras do País. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Banco Central celebraram contrato de cooperação técnica visando a inserção do QR Code com a tecnologia PIX nas faturas de todos os consumidores de energia elétrica. Os consumidores poderão pagar suas faturas de energia elétrica por meio do celular (QR Code) sem pagar as atuais taxas e as distribuidoras receberão de forma instantânea os pagamentos, sem precisar esperar 24h necessárias para compensação bancária e já contemplando os diferentes tratamentos tributários entre estados e municípios.


Em outras palavras, a união entre PIX e QR Code tem potencial para proporcionar um nudge poderoso: quando o consumidor for pagar a conta de luz no celular, o aplicativo mostrar a economia média que o consumidor teria se adotasse os planos oferecidos por outros fornecedores de eletricidade.


Voltando então à pergunta do título: o futuro consumidor de energia... terá a sua disposição aplicativos de smartphone que proporcionarão uma fácil comparação de alternativas dos fornecedores de energia elétrica. Desde que o arcabouço regulatório seja voltado para proporcionar liberdade de escolha aos consumidores, tal como o ocorrido no Austrália por meio do programa Power of Choice.


Esse e outros aspectos estão sendo abordados no estudo elaborado pela Thymos Energia que foi entregue no mês passado pela Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica) ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) solicitando a realização de uma consulta pública para discutir o tema da abertura integral do mercado de energia elétrica no Brasil. O estudo elaborado pela Thymos Energia pode ser encontrado no link abaixo:


Victor Ribeiro é Gerente Regulatório na Thymos Energia e mestrando em Engenharia Elétrica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).




Artigo originalmente publicado no site Broadcast Energia, em 22.12.2020.

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