Em artigos anteriores publicados nesse espaço, comentamos sobre a abertura integral do mercado de energia elétrica. Abertura integral significa permitir que as indústrias e comércios de pequeno porte, bem como os consumidores residenciais, possam substituir seu fornecedor de eletricidade. Expusemos que urge essa mudança de paradigma devido ao fato de a população brasileira arcar com a 3ª maior relação tarifa/renda per capita do mundo. Comentamos também que os EUA representam uma experiência bastante interessante, pelo fato de podermos comparar os resultados entre os estados que optaram pela abertura com os demais estados que permaneceram no regime de tarifas reguladas. Neste artigo, apresentaremos em mais detalhes a redução do custo de energia nos estados norte-americanos que optaram pela abertura íntegra de mercado.
Inicialmente, é importante esclarecer que a decisão de abertura de mercado de energia elétrica para o varejo é decisão de cada estado norte-americano. E, adicionalmente, a comparação dos fatores que levaram cada estado a ter um determinado custo final de energia não é trivial: depende da disponibilidade de fontes de energia locais, se possui interligação com estados vizinhos com fontes de energia de menor custo, das características climáticas, da estrutura de mercado etc. Com isso, se um determinado estado norte americano já possui fontes de energia mais baratas, ficará menos interessado em implantar reformas no setor elétrico para promover a competição. Por outro lado, se um determinado estado possuir custos de energia elevados nem sempre é o suficiente para instigá-lo a enfrentar todas as barreiras institucionais e técnicas para implantar a abertura integral de mercado.
O Arizona é um dos estados que estão avaliando a abertura de mercado. A Arizona Public Service Company (APC) analisou as políticas dos 14 estados norte-americanos que implantaram o mercado varejista de energia a fim de identificar qual dessas políticas adotar, caso essa seja a decisão da população (o tema será decidido em um plebiscito). Na avaliação APC, a principal diferença entre os estados que tiveram êxito na abertura de mercado e os estados que não implantaram o mercado varejista é que os primeiros, ao contrário dos segundos, faziam parte de um RTO (Regional Transmission Organization) ou ISO (Independent System Operator). Nesse sentido, entre os aspectos que serão considerados na decisão da APC de implantar o mercado varejista serão os custos de implantação de ISO no estado e a integração elétrica do Arizona a um RTO existente.
Outro aspecto técnico que comentamos em artigos anteriores é se para a realização da abertura integral de mercado haveria a necessidade de substituição dos medidores de energia. O estado de Nova York, um dos adeptos da abertura integral de mercado (Full Retail Competition, na legenda da figura abaixo) obteve uma expressiva redução do custo de energia entre os anos de 2010 e 2019 sem a necessidade de implantação de AMI (Automated Metering Infrastructure).
De maneira geral, os EUA tiveram, por uma série de razões estruturais, redução nos custos de energia elétrica entre os anos 2010 e 2019. A média global ponderada de redução de custo de energia nos EUA nesse período foi de 44%, já considerando a inflação americana. Os estados que implantaram o Full Retail Choice proporcionaram redução do custo de energia acima da média do país para uma proporção maior de consumidores. O gráfico abaixo ilustra que dentre os estados que se mantiveram em estrutura regulada de preços, somente 46% do consumo obteve redução de custo acima da média dos EUA, ao passo em que os estados que implantaram a abertura de mercado, 69% do consumo ultrapassou a média. Em outras palavras, na abertura integral de mercado, mais consumidores obtiveram reduções mais expressivas de custos de energia. Destacam-se os estados do Texas (57%) e Nova York (56%).
Trazendo a discussão aqui para o Brasil, o custo médio para o consumidor residencial aumentou, em termos reais (já descontada a inflação), cerca de 10% entre os anos 2010 e 2019. A abertura do mercado urge no Brasil devido à insustentável posição que o país ocupa: possui a 3º maior relação tarifa/renda per capita do mundo. Adicionalmente, fica evidente que o estímulo à competição é mais sustentável do que intervenções regulatórias tais como a que foi promovida pela Medida Provisória nº. 579/2012, que prometia redução de 20% e no ano seguinte ocorreram aumentos de até 70% no custo de energia. A experiência dos EUA mostrou que a abertura de mercado proporciona maior redução do custo de energia para maior número de consumidores.
Victor Ribeiro é Gerente Regulatório na Thymos Energia e mestrando em Engenharia Elétrica pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Contato: victor.ribeiro@thymosenergia.com.br
Artigo originalmente publicado no site Broadcast Energia, em 26.01.2021.
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